Já se foi o tempo em que cafonice era um dos poucos privilégios de pobre. A moda agora parece que é ser cafona em termos imobiliários.Quanto mais chique, mais cafona, permitam-me a antítese.
Edifício, agora, é mais que isso, É impossível. Impossível compreender porque essa obsessão de rico por prédios com nomes estrangeiros. Eu sei que essa discussão é mais velha que andar pra frente, mas é que já tá ficando engraçado andar de ônibus pelas ruas de Salvador - sobretudo pelas bandas da Paralela - e ficar olhando os out-doors (ai, ai) de lançamentos imobiliários. Claro que dá tempo de ler tudo, nada se move na Paralela...
E o que se vê é uma sucessão de nomes em outras línguas, uma mistura de inglês com francês e um portuguesinho de vez em quando. Parece uma música tosca tocada insistentemente em nossos ouvidos, porque são tantos out-doors, e bus-doors e tudo-doors que a gente não tem nem o direito de não ler nada. Não deveria ter um limite pra isso, não? Até caminhão no acostamento com TV LED fica enchendo o saco da gente agora nos engarrafamentos. Para não ler nada, meu amigo, só fechando os olhos. Os publicitários ainda não perceberam, mas eu tenho pra mim que é tanta coisa pra ler que a gente já não lê quase nada. Ou melhor, lê mas bota a informação naquele quarto escuro que só vai ser acessado quando a gente estiver caducando. Mas, voltemos aos nossos empreendimentos imobiliários. Tem que ser poliglota pra falar tudo certinho.
Vamos à cantilena:
Le Parc Residential Resort (Eu nem vou entrar no mérito de que isso é uma cidade a parte, para quem quer fugir de Salvador e seus problemas urbanos e sociais)
Paralela Place
Art Residence
Acupe Exclusive
Art Ville
Forest Ville
Garden Ville
Palm Ville (todos de Alpha Ville - o mundo perfeito, sem ralé, terra dos teletÂbies)
Iluminato Residence
City Park
Boulevar Side
CEO - Corporate Executive Shopping (morar dentro de um shopping center, deus é mais!!!)
Quintas Private Residences...
Cansou??? Isso é só uma amostragem, um show-room, se preferirem, ou seria uma show-list??? E isso é pra ficar só nos 'residential', viu, não falei dos 'business' e 'corporates' e 'trade center' da vida...
Eu não consigo entender essa obsessão. Só pode ser cafonice aguda, porque temos uma Língua tão linda, meu Deus, com tantas possibilidades, com uma melodia maravilhosa. Agora a gente tem que ficar rodando a língua pra falar esses nomes horrorosos... Parece que a gente não tem palavras que substituam essas aí. Sinceramente, viu. Tenho um carisma pelos nomes brasileiros: Morada das Mangueiras, Conjunto Residencial Arvoredo, Solar do Garcia, Edifício Vila Real, Condomínio Residencial Ipê, e até do CHOPM II que eu morei no Cabula e nem sei o que quer dizer. Deve ser Conjunto Habitacional sei lá o que da Polícia Militar, apesar de que eu morei lá e nunca fui polícia. Hoje em dia nem Mansão é mais coisa chique, veja só. Tem que ser Maison, que na língua original é só casa mesmo.
E aproveitando a deixa, acho que a crise dos nomes fica mais grave ainda quando os patrocinadores de espaços culturais colocam seus próprios nomes nos teatros e casas de cultura. Tudo bem que tem que divulgar, mas daí a botar o nome no espaço já é um pouco demais, né, não. Credicard Hall, Teatro Vivo (esse pelo menos quando a empresa morrer, aproveita-se o nome...). O Tom Brasil em São Paulo virou HSBC Brasil. Alguém tem que fazer isso parar. E aqui em Salvador: Espaço Cultural LG & Insinuante. LG é marca de eletrodoméstico e Insinuante é uma loja de móveis que faz aqueles comerciais gritados que enchem o saco dia e noite. Merecem ter o nome num espaço cultural, só porque deram uma graninha? Aff. Não dá nem gosto entrar em cartaz num lugar com um nome desses. Pelamordedeus. Um nome que não diz nada de relevante, que não homenageia ninguém, que só diz quem foi que deu o dinheiro.
Onde é que a gente vai parar com valores como estes? Uma língua que ninguém respeita. Uma cultura onde quem dá o dinheiro é o grande homenageado (homenageado por si mesmo - cabotinismo). Eu fico imaginando quem deu essa GRANDE idéia e a equipe executiva adorou e a moda pegou e ninguém reclamou e ficou por isso mesmo, essa tristeza.
No futebol não é diferente. Você não sabe mais quem é o jogador, porque a camisa do coitado parece aquelas 'publicações' de supermercado. E ainda por cima a logo da frente e das costas da blusa é tão grande que parece que é o nome do time. Eu não sei se eu tô delirando, mas já ouvi ou li alguma coisa sobre o nome dos times levar o nome do principal patrocinador. Imagine. Veja o Ronaldo. Tem toda uma vida contada na camisa do Timão. No sovaco: AVANÇO, na bunda: LUPO e por aí vai. Daqui a pouco vão colocar JONTEX na frente do short. Se bem que não, né... jogador de futebol não parece ser dado a proteções do tipo. Não é uma boa divulgação para o produto. Podia botar marca de laboratório de DNA.
Bom, piadas sem graça à parte, isso aqui é um assunto sério. O cúmulo mesmo é a TAÇA LIBERTADORES DAS AMÉRICAS, um nome lindo onde o futebol homenageia os líderes revolucionários da América Latina, virar TAÇA SANTANDER LIBERTADORES DA AMÉRICA. Essa realmente é pra matar qualquer cidadão com o mínimo de bom senso. Quando é que um banco privado vai se interessar pela Liberdade na América Latina??? Muito ao contrário.
Que valores ficam para os nossos jovens? O que de fato importa? Sei que esses exemplos parecem detalhes, bobagens, mas não são. Não são e quem os escolhe, quem decide aberrações como estas sabe disso. Existe uma coisa 'batistaca' que não pára e que de alguma forma vai manipulando a cabeça da gente e a gente nem percebe. Nossos jovens vão crescer achando que é assim mesmo, que isso é o natural, o certo, tudo o que temos: Copiar uma língua estrangeira e homenagear empresas.
Viva o Teatro Martin Gonçalves, o Teatro Dias Gomes, o Teatro Raul Seixas. Viva o TEATRO OFICINA que não virou nem nunca vai virar TEATRO WORKSHOP. Ainda tem muito artista para homenagear, ou mesmo data, ou mesmo nomes bonitos apenas, nomes poéticos, nomes produtivos, sei lá, nomes que falem de nós, ainda que estes nomes HORROROSOS - repito - por menos que queiram, por mais que fujam do que somos, estão falando de uma pobreza cultural que querem atochar na gente a qualquer custo. Ficarão para a história, estas práticas lastimáveis como marca de nosso colonialismo cultural que não cessa, mas contra a qual nós continuaremos lutando sempre, por mais que queriam tachar a nós - não eles - de cafonas.
E vamos nós, entre um residential e outro, entre um edifício aqui, um anunciozinho ali tentando entender o que é mesmo ser brasileiro em tempos tão trogloditas, digo, poliglotas.
E bolada, leitor-morador-brasileiro!!!
Uma péssima: O Cine Glauber Rocha agora virou Espaço Unibanco. Pode?
ResponderExcluirBoa estratégia, o que se pagava em "tudo-doors" se converte em apoio a espaços culturais, que garantem propaganda contínua em suas fachadas!!
ResponderExcluirPura fachada.
Este seu "post" (kkkk) vai dar pano pra manga!