O que é que eu faço, em que língua vou fazer um comício, uma passeata que irrompa nos gabinetes, nas salas de professores que tomam cafezinho e arrotam sua incomensurável boçalidade sobre o susto dos meninos desarmados?
Deus te abençoe filhinho, vai pra escola, seja educado e respeitador, honra teu mestre.
Mestre?
Onde é que tem um mestre no Brasil pra que eu lhe beije as mãos?
Ó, ofício demoníaco de encher de areia e confusão o que ainda é puro e tenro cálice.
Não quero dar aulas, ó meu deus, me livra desta aflição, me deixa dormir, me deixa em paz, aula de nada, de nada, aula de religião eu não quero dar.
Falo e me aflijo porque sei que não tem outro caminho senão começar de baixo, de trás, do fim da história, quando Deus pega Adão e lhe mostra as coisas, lhe deixa dar nome às coisas, lhe deixa, lhe deixa, ruminando seu espanto, sua alegria, sua primeira palavra...
Escuta quem tenha ouvidos: os meninos do Brasil fenecem entre retórica, montanhas de papel e medo.
Entre ladrões, como Cristo na cruz."
(Adélia Prado: SOLTE OS CACHORROS, 1979)
Adélia é um dilúvio! Retribuo com outra delicadeza:
ResponderExcluirImpressionista
Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.
Adélia Prado
Obrigada, querida. Lindo demais, como sempre.
ResponderExcluirE o " é bolada..."
ResponderExcluirÉ verdade, querida, faltou o bolada. É que foi tão Adélia Prado que nem lembrei. O que vc sugere???
ResponderExcluir