sábado, 6 de fevereiro de 2010

A LEI PELÉ E A LEI PÉ NA BUNDA!


No futebol é antiga uma questão que intriga e provoca polêmica, protestos e manifestações. É a situação dos jogadores de futebol em relação a sua profissionalização e seus direitos trabalhistas, envolvendo, sobretudo a questão do passe do jogador. Escravidão ou passe livre?


A Lei Pelé (9615/98) tenta resolver de alguma forma este impasse, tornando o jogador dono do próprio passe, mas não avança em termos de direitos do trabalhador. Usado como um eficaz instrumento do jogo - como a bola ou a trave - o jogador é sugado ao máximo, enriquece diretores de clubes e empresários e quase sempre, acaba na miséria e no esquecimento.

Na arte-educação, não é diferente. Olha lá se não é pior. Explico já o aparente exagero.

Sem espaço nas instituições públicas, que rarissimamente abrem concursos para a área de artes - seja em nível de ensino básico ou superior - este profissional vive de pratinho na mão pedindo uma esmolinha numa ong aqui, uma ajudinha num projeto ali, uma vaguinha numa escolinha de bairro que não vai lhe assinar carteira. Nas escolas públicas, as aulas de arte são ministradas por professores de religião, português, filosofia e - pasmem - até de matemática. O critério? O professor que precisa de horas, pega as aulas de artes. Dá pra levar a sério um país desse? Alô LDB!

E as ogns, essas bem intencionadas instituições que querem salvar o mundo com arte-educação e cidadania. Pois bem. Começassem respeitando aqueles que estão na ponta, na sala de aula, no dia a dia! Como salvar criancinhas, adolescentes e jovens de um mundo brutal e cruel se este modelo de mundo é reproduzido dentro da própria instituição? Quero esclarecer que falo aqui das ongs que vem de "cima" e querem ajudar os coitadinhos de "baixo", movimentando um dinheiro considerável disponibilizado para salvar o mundo. Retiro deste saco, ongs nascidas das comunidades, geridas e coordenadas por ela, a exemplo da Casa do Sol Pe. Luiz Lintner e Beje-Eró, para citar apenas algumas. Mas, avancemos.

Diretos humanos são a cachaça da vez. Toda ong fala neles, cita seus artigos a torto e a direito, como dizem os mais velhos. E lá, na bendita declaração tá escrito:

Artigo 24: Todo o homem tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.
Ongs e projetos especiais do governo (seja ele de que instância for) não assinam carteira, não garatem direitos, raras vezes oferecem benefícios e claramente infrigem a Consolidação das Leis Trabalhistas. Geralmente argumentam que o contrato de prestação de serviço não está ligado à CLT, mas no dia-a-dia o que somos é exatamente isso: trabalhadores.

Educador de ong é aquele que apela por um emprego, sujeitando-se às mais impensadas e humilhantes situações. Quando consegue uma vaga, é frequentemente lembrado que o "mercado" vai mal e que ele deveria muito era agradecer a oportunidade de estar ali. Quando o salário atrasa, é convidado a pensar como 'ong' e assim entender que as condições de trabalho são outras. É convidado a pagar de seu próprio bolso, transporte, alimentação e todos os juros das contas pagas em atraso, porque o recurso não saiu.

Fim de ano para educador de ong é um tormento. Sem estabilidade, sem 13º, sem férias, sem ao menos os salários de janeiro e fevereiro, este profissional tem verdadeiro pavor de virada de ano, pois já sabe que é tempo de vacas magras. Ao fim do projeto, em novembro ou dezembro, recebe um muito obrigado do gestor, a promessa de que talvez no ano que vem ele seja chamado novamente. Ah, mas lembre-se que para o projeto ser renovado, a gente vai precisar daquele relatório, com lindas fotos e um número de inscritos, não de concluintes... quem tá na prática sabe do que eu tô falando!

E lá se vai todo vínculo, levando com ele qualquer possibilidade de respeito, direitos e cidadania! E todos esses "temas transversais" tornam-se "temas proibidos". Das bizarras reuniões pedagógicas onde se distribuem textos sobre educação humanista à realidade dos fatos, as coisas mudam completamente de figura. Carteira assinada? FGTS? Seguro Desemprego? Licença maternidade? Plano de Saúde? Fala sério! Conquista de mais de 50 anos da classe trabalhadora, são ainda um sonho,uma proposta de futuro para arte-educadores... e jogadores de futebol!

Ok. O que fazer, então?

A democracia corintiana (movimento surgido na década de 80 no Corinthians, liderado por um grupo de futebolistas politizados: Sócrates , Wladimir, Casagrande e Zenon que constituiu o maior movimento ideológico da história do futebol brasileiro e foi um período da história do clube onde as decisões importantes, tais como contratações, regras da concentração, entre outros, eram decididas pelo voto, sendo assim uma forma de autogestão - EU AMO WIKIPEDIA!), trouxe ao futebol brasileiro uma possibilidade de algo improvável, mas que se tornou possível porque alguém ousou falar, refletir e propor mudanças. E olha que era época de ditadura militar. Desenhou-se no futebol um modelo sonhado para a vida real.

Considero que o movimento é forçar a barra dentro das instituições e projetos para que a nossa realidade pare de contradizer o nosso discurso dentro da sala de aula. Precisamos fazer de fato o que estamos ensinando na teoria. Paulo Freire já nos alertou que educação exige coerência. E se a gestão das ongs não está preocupada com isso, é preciso fazer com que se preocupe, senão por uma questão conceitual e ideológica, que seja porque isso virou para eles um problema. É preciso uma postura política. Sempre! As lutas e articulações políticas de classe tendem a ser esvaziadas e consideradas ineficazes, ultrapassadas e até ridículas. Mas isso é uma ação deliberada. Somos levados a crer que nada tem jeito, que nada adianta. É MENTIRA!

O que querem é que fiquemos parados, calados, isolados e intimidados. Assim, somos presas fáceis. Temos medo e vergonha de nos posicionarmos, de perguntar, de exigir direitos, informações.

Somos tratados como objetos dos projetos. Como a gaveta ou o grampeador, o arte-educador não faz parte das propostas nem das soluções. Pode até achar que faz, mas no fundo, não faz não. É preciso bater na mesa, chutar o balde, meter o pé na porta. Chega de sermos a "bucha de branco" do dominó do terceiro setor. Se vc está com problemas desse tipo e tem parceiros que querem lutar, fortaleça sua luta. Atue no coletivo. Não enfraqueça a luta de quem tem coragem de começar! A gente é maior do que imagina, me contou Augusto Boal. Seu colega de profissão é um aliado, não um concorrente. Ou a gente se enxerga como um todo e pára de lutar pela moedinha no fundo do prato, ou jamais seremos donos do nosso próprio passe. Jamais teremos mando de campo. Jamais seremos a bola da vez.

É bolada, arte-educador!

14 comentários:

  1. Olá, Adriana. parabéns pelo blog e obrigado pela visita. Gostei muito da lista de livros. Alguns já tinha lido no mestrado e outros no doutorado. Sucesso nas suas pesquisas e vida longa ao blog Futebol de Artista.

    Welington (Esporte em Rede)

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  2. Diana,
    De arte entendo quase nada, de futebol nem gosto muito, mas nessa seara da educação posso, ainda que timidamente, endossar seu protesto. Primeiro porque na labuta como professora, há pouco mais de 2 anos, sempre me assuto com o abismo entre a LDB e a "realidade da Matrix". Endosso também por acompanhar de perto o trabalho de minha irmã, que como arte-educadora(www.sonhosebonecos.blogspot.com) não aceita essa de ser objeto e, como você, enfrenta bravamente o desafio de viver entre o feijão e o sonho.
    Parabéns pelo texto e vida longa ao blog!
    Beijão!
    PS.: wikpédia é tudo, né? rsrs

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  3. Paty. Em primeiro lugar é sempre uma delícia quando alguém me chama de Diana. Volto à infância num pulo! Segundo: enfrentar de cara os desafios e lutar de pé, parece ser a única forma de não nos tornarmos gado de vez!

    Bejoca e força!

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  4. Em primeira visita ao blog, estou realmente contemplada... Por ser amiga dessa pessoa linda e por compartilhar das mesmas idéias.
    Se nós arte-educadores somos cobrados no nosso dia-a-dia de trabalhadores, como todo e qualquer profissional do mercado, porque não podemos cobrar os nossos direitos.
    Tô contigo e pronto!
    E não pude deixar de lembrar de uma experiência que tivemos em comum, (Rsrsrsrsrs...) parece que em segundos voltei lá! (Aff!!!)
    Um beijo minha flor de maracujá!
    Vou acessar o blog mais vezes, muito bacana...
    Te gosto muito!
    Polis Nunes

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  5. Adorei o texto Dri!
    Lembrei-me de uma certa vez em que entrei em discurso com a diretora da escola que eu estudava. Havia dito para ela com toda ira do mundo que jamais na minha vida iria lecionar, não pq eu não admirasse a profissão mas pelas demais questões que vc coloca no seu discurso. A falta de respeito ao profissional é tamanha e à arte nem se fala.
    Adoro a associação que faz ao futebol, é dribles, é trpaças, é vitórias e aos 44 do segundo tempo tudo pode mudar.
    “O goleiro é um homem de elástico
    Só os dois zagueiros tem a chave do cadeado
    Os laterais fecham a defesa
    Mas que beleza é uma partida de futebol”

    Parabéns pela mente brilhante.
    Te adoro muito.

    Ana Claudia Lima

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  6. (sussurro de quem lê de longe, e, sorrindo de canto de boca, vibra)
    "Essa é a mestra" - e existe essa palavra? - "que eu escolhi!"

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  7. Minha doce. Já te falei hoje que você é lindona... lindo o texto... tom a la "amorim" claríssimo. Quantos dos nossos pares não carecem ouvir este texto pra superar a velha ordem mundial opressor -oprimido no trabalho. Só fortalece lágrimas de garganta a gritar com propriedade. Saudade.

    Roberto de Abreu

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  8. Drica...
    Parabéns coisa linda!!! Tudo que você toca vira ouro meu bem!!!
    Fiquei com seu blog algumas vezes te confesso, porém o contato intimo rolou de verdade quando li suas colocações mais que acertadas no que se refere ao tratamento dado ao arte-educador..é mesmo impressionante a total falta de respeito promovida da maneira mais desavergonhada possível, que faz com que este trabalhador nem mais especial nem menos especial que qualquer outro veja jogado por terra seus direitos, que como vc bem citou foram conquistados a duras lutas..
    Eu ainda acredito na mudança! E isto algumas vezes me dói, é uma dor que tem a mesma veracidade de um gozo....eu escolhi esta profissão, e como tal não posso me desencorajar nem me acovardar perante as coisas que a rodeiam por mais absurdas que sejam...
    É difícil para cara.......o porque cansa, mas aí eu me deparo com raras instituições que mostram uma outra tomada de posição como as que vc citou e que conheço bem, referências da arte-educação na cidade e no Brasil.
    Neste momento me reencanto e me embriago de novo tem jeito não, provei da cachaça “arte” e não consigo nem quero reabilitação, gosto das ressacas...
    Bjos

    Andréia Fábia.

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  9. Somos gado, mas façamos como "Shaun, o carneiro", unidos e usando a cabeça venceremos os porcos.

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  10. Que bom saber que eu não estou só nessa. Acho que no fundo sempre soube disso. Ex-alunos e agora, colegas, colegas de longas datas e todos, amigos. Sobre gados e porcos, como sugere alam, para quem não conhece Shaun, o carneiro, é um desenho inglês - dos mesmos criadores de a fuga das galinhas - que fala de amizade e trabalho coletivo. Para quem trabalha com crianças, é uma ótima pedida. Está aqui o link para download:

    http://megamixdisney.blogspot.com/2009/04/shaun-o-carneiro-1-e-2-temporada.html

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  11. Boa análise das condições de trabalho do professor de uma Ong...mas a primeira parte do texto me provocou a fazer esse comentário...
    De fato, os clubes e empresários enriquecem em função dos jogadores, mas faz parte do jogo, não é? Bons jogadores é sinônimo de investimento...
    Sobre os jagodores...vida de jogador poderia render um drama mas com "happy end". Aqueles que "terminam na miséria e no esquecimento", que pra mim não é "quase sempre", são os que gostam de viver o presente...ser "bon vivant"...dinheiro gasto em cachaça, mulher e drogas...e quem não sabe disso, hein?! Um jogador do Vitória, por exemplo, que não é um clube tão grande como os do sudeste, recebem por mês, mais ou menos, 30 (trinta) mil reais...pouco em relação aos rendimentos em clubes como Flamengo ou São Paulo. Ah, vale lembrar que até direito de imagem eles recebem, além das "injeções de ânimo" que chegam nos vestiários em malas e o famoso "bicho" (dinheiro ganho depois de uma vitória). Então dou uma dica a eles: façam previdência privada! A minha pergunta é: Com tudo isso, como eles quase sempre terminam na miséria, como foi colocado nesse blog?! Assim como eu, muitos brasileiros trabalham para enriquecimento de poucos e ganham muito menos e moram muito pior que os boleiros...salvo os que estão começando a carreira e vivem a expectativa de enriquecer com futebol. Acredito que, na verdade, os jogadores que não gozam da qualidade de vida do auge da fama são aqueles que não souberam o que fazer com o dinheiro. Lembram de Baiaco, do Bahia? Esse é das antigas...e o baixinho Romário? O que sobrou pra ele com tanta dívida? Pensão dos filhos, indenização de 5,5 milhões e mais os processos judiciais pendentes com a ex-mulher.
    Quanto aos jogares cairem no esquecimento, acredito que tudo no mundo é ciclíco. Nós precisamos do fôlego da novidade...novas referências, novos ídolos...mas os que já cultuamos estão guardados na memória individual e alimentam as conversas dos nossos circulos sociais...por isso digo que eles não estão esquecidos. Na verdade, pra mim, eles não estão mais em evidência. De uma forma ou de outra, uma coisa é certa: quando a mídia resgata esses personagens, que proporcionaram grandes espetáculos em campo, mantém viva a memória dos que tiveram o prazer de conhecer e apresentam a outras gerações.

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  12. Pois é, anônimo, concordo com suas podenrações, mas penso que aqui os seus exemplos são todos de jogadores muitíssimo bem sucedidos, os 10 tops do nosso futebol. E quase sempre, artilheiros. Falo dos jogadores menos conhecidos, que obviamente geram menos lucros que os Ronaldos e Adrianos da vida, mas que fazem toda a base para que inclusive estes possam valer tanto. Falo da grande maioria dos jogadores, que na luta por uma vida de Ronaldos, acaba fazendo das tripas coração, sob as condições de trabalho comentadas no post, para na maioria das vezes, ajudar o clube e no fim ser esquecido. Mas, veja bem, só estou falando que há casos e casos. No caso que vc cita, concordo plenamente com vc, mas não podemos dizer que as leis trabalhistas, ou a falta delas, sejam indiferentes para o jogador de futebol brasileiro, que não alcançou fama e glória.

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  13. Viuxe...este texto mexeu com os meus neurônios..aliás Diana (lindo, o apelido!) parabéns pelo escreveu. Mas, ainda não tô preparada p fazer um grannnde comentário...o texto mexeu com o meu passado e minha formação em ONG e me fez refletir sobre o q quero como educadora...ou seja, deu pane! E por falar em ONG, indico aos seguidores do blog de Adri o filme "Qto Vale ou é por Quilo"...e nada mais...

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  14. Quanto Vale Ou é por Kilo, mesmo...

    É tem de ter fôlego de constituição federal essas birras... chega de ter esse tratamento invertebrado no mercado de trabalho... a gente rala tanto e não tem reconhecimento institucional e nenhuma política que nos respalde como arte-educadores...

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