segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O BERRO DE NELSON RODRIGUES



Não deve ser novidade para os leitores a verdadeira paixão de Nelson Rodrigues pelo futebol. Muitos artistas, inclusive, têm nessa paixão uma marca reconhecida pelo público. Chico Buarque, José Miguel Wisnik, José Lins do Rego, Zé Celso (que tem o projeto do Teatro-Estádio sobre o qual postarei mais adiante), e o interesse similar de Bertolt Brecth pelo boxe, por admirar o comportamento do público deste evento (aguarde post sobre o assunto).

Mas a obra de Nelson além de referir-se diretamente ao futebol, como no caso da peça A Falecida, também é repleta de obras especializadas no assunto. Comentarista de programas de TV e cronista da Manchete Esportiva entre os anos de 1955 e 1959, Nelson escreveu verdadeiros tratados sobre o futebol, a seleção brasileira, e sobre o torcedor. Muitas das frases inesquecíveis do autor estão em suas crônicas.

Aqui um exemplo de sua linguagem deliciosamente ácida mas ainda assim extremamente fértil:

"Dizem que o Brasil tem analfabetos demais. E no entanto, vejam vocês - a vitória final, no campeonato do mundo, operou o milagre. Se analfabetos existiam, sumiram-se na vertigem do triunfo. A partir do momento em que o Rei Gustavo, da Suécia, veio apertar as mãos dos Pelés, dos Didis, todo mundo, aqui, sofreu uma alfabetização súbita. Sujeitos que não sabiam se gato se escreve com "x" ou não, iam ler a vitória no jornal. Sucedeu esta coisa sublime: - analfabetos natos e hereditários devoraram vespertinos, matutinos, revistas e liam tudo com uma ativa, uma devoradora curiosidade, que ia do "lance a lance" da partida até os anúncios de missa. Amigos, nunca se leu e, digo mais, nunca se releu tanto no Brasil.

E a quem devemos tanto? Ao escrete, amigos. Graças aos 22 jogadores, que formaram a maior equipe de futebol da Terra, em todos os tempos, graças a esses jogadores, dizia eu, o Brasil, descobre-se a si mesmo. Os simples, os bobos, os tapados hão de querer sufocar a vitória nos seus limites estritamente esportivos: ilusão! Os 5 x 2, lá fora, contra tudo e contra todos é um maravilhoso triunfo vital, de todos nós e de cada um de nós. Do Presidente da República ao apanhador de papel, do Ministro do Supremo ao pé-rapado, todos aqui, percebem o seguinte: é chato ser brasileiro! Já ninguém tem mais vergonha de sua condição nacional. E as moças nas ruas, as datilógrafas, as comerciárias, as colegiais andam, pelas calçadas, com um charme de Joana D'Arc. O povo já não se julga mais um vira-latas. Sim, amigos: - o brasileiro tem de si mesmo uma nova imagem: ele já se vê, na generosa totalidade de suas imensas virtudes pessoais e humanas. Vejam como tudo mudou. A vitória passará a influir em todas as nossas relações com o mundo.!" (12/07/1958)


Rodrigues, Nelson. O Berro impresso das manchetes - Rio de Janeiro. AGIR, 2007. Pág. 408.


Sentiram? Gostaram? Nelson realmente dispensa comentários.

E há quem me julgue exagerada na demasiada importância que dou ao futebol. Posso até ser exagerada, mas não o sou sozinha. E minhas companhias são deliciosamente acolhedoras. Os anônimos e os famosos.Em breve, neste blog, palavras do multi talentoso José Miguel Wisnik sobre o assunto.

A propóstio, a imagem é uma cortesia de Priscila Pimentel que a encontrou em algum lugar da net e mandou pra mim. Se vc tem alguma coisa interessante ligada ao tema, pode mandar.


É bolada, torcedor!

P.S. Sem comentários sobre o 2 x0!!!

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