domingo, 19 de setembro de 2010

Neymar, nossos jovens e nosso dever de casa

Pensei muito no que escrever sobre o chilique de Neymar com o técnico Dorival Júnior, mas não tinha uma idéia consolidada. Ontem, conversando com um amigo professor, meu querido Rômulo Matos e com meu digníssimo amor (nós dois também professores) sobre o comportamento dos adolescentes na sala de aula, acabei por achar a liga que faltava.

Não quero falar sobre o fato da fama ter subido à cabeça de Neymar e tudo o mais que já parece bem batido e evidente. "Estamos criando um  monstro" disse alguém, não sei se o próprio Dorival. Relacionar de alguma forma o comportamento de Neymar agora com o de Bruno também parece ser quase que uma tendência. Começa assim, acaba como o outro.

Mas, para mim, em termos de fama, o que aconteceu foi justo o contrário. Não acho que Neymar tenha feito isso porque é famoso, mas talvez justamente por ter esquecido deste pequeno detalhe no momento da confusão. Acho que foi a hora em que o Neymar bonzinho, das propagandas com crianças saiu de cena e deu lugar para o adolescente desaforado, cheio de si, desrespeitoso e sem limites. E isso, justamente isso, o aproxima mais dos jovens de sua idade, do que a imagem de bom moço que foi exaustivamente trabalhada durante todo o ano de 2010, pelas redes de TV pela descontrolada e cabonita Revista Placar, enfim, pelos meio de comunicação.

Mas, voltemos aos nossos jovens que odeiam a escola, desrespeitam os professores, não lêem, não refletem, não têm posicionamento político e todas essas coisas que dizemos em qualquer esquina sobre eles e, mais do que isso, cobramos diariamente que mudem. MUDEM. MUDEM.

E, aqui eu peço um aparte. Como podemos exigir que ELES mudem, se não mudamos, nós??? Como é que eles vão mudar, se foi isso que fizemos deles? Será mera coinscidência que toda uma geração seja assim, como a julgamos: acéfala, apolítica, aculturada???

Precisamos parar de culpar e de tentar fazê-los mudar à força e nos jogarmos profundamente numa auto-crítica coletiva de toda uma geração. Toda uma geração mesmo, porque não estamos falando de Salvador, de Bahia ou Brasil. Quem já viu - só para citar um exemplo - Entre os Muros da Escola, um filme francês, deve perceber que este modelo de juventude é universal. E mais do que encarar este modelo como um problema, eu acredito que ele seja uma característica dessa geração e que apenas não responde às nossas expectativas que não são necessariamente o que de melhor existe em termos de comportamento.

O que a nossa geração fez? Cantou o hino na porta da escola? Hasteou a bandeira? Vestiu uniforme? Pintou a cara??? Pra quê??? Pra construir o balaústre do neoliberalismo que destruiu o mundo dividindo-o entre milionários e miseráveis. Foi isso que a nossa geração fez. Orgulhosos??? Somos melhores que os jovens que 'não pensam'??? Não estou tão certa.


Nossa geração está tranquila dentro de seu apartamento financiado, no engarrafamento dentro de seu carro retalhado em prestações. Está dentro dos cinemas com ar-condicionado e livrarias de papel couché. Estamos nos programas de pós-graduação estudando nossos projetos mais eficazes de endogenia crônica.

Quando não, estamos assustados dentro dos ônibus coletivos, uns com medo dos outros. Trabalhadores acuados usurpados pelo patrão no trabalho e pelo nosso igual, viciado que virou assaltante. O MUNDO DIVIDIDO ENTRE OS QUE NÃO COMEM E OS QUE NÃO DORMEM COM MEDO DOS QUE NÃO COMEM. (Vi essa frase no filme de Milton Santos, mas não me lembro seu autor).

Será que insistir numa escola com modelo militar, de grade curricular, paredes, ferro e cadeado é o melhor que podemos fazer? Será que culpar os jovens por aquilo que eles são - mas do que não têm a menor culpa - é sensato?

Foi você que criou seu filho!!! Fomos nós que fizemos essa geração. Se há culpados, coisa que eu não acredito, somos nós. Nós que não realizamos as promessas da democracia. Nós, que sem o saudosismo das guerrilhas contra o regime militar, contra a divisão do mundo em dois, nós que nos afundamos nas compras, na fama, nos privilégios. Nós que buscamos soluções apenas para nossos problemas individuais, nunca sociais.

Mas, somos nós culpados, também???
Nossos pais?
Nossos avós?
Adão e Eva?
Darwin?

Não quero dizer, com tudo isso, que a vida é fruto do nada, e que não temos poder nenhum de decisão ou interferência. Muito pelo contrário, por mais contraditório que isso possa parecer.

Eu acho que o caminho está traçado e tentar fazer dos jovens de hoje o que fomos na nossa própria juventude e que nós achamos o máximo é jogo perdido. Ainda bem!!!

Eu imagino que algo de muito novo e transformador pode estar por acontecer. Sob novos paradigmas. Não este paradigma político-ideológico que nos guia há séculos. Um novo. Tão novo que eu sequer desconfio o que seja ou com o que se parece. E não estou criando aqui nenhuma nova teoria. São ecos de pensamentos como o de Michel Maffesoli, por exemplo e do próprio Miltons Santos.

De mim mesma só sei que não odeio os jovens. Nem os insuportaveizinhos dos adolescentes. Às vezes, me desespero com eles, perco a paciência, faço meus discursos envelhecidos em carvalho. Mas depois me lembro que os estou comparando com um modelo que EU decidi ser o melhor.

Acho que SÓ eles poderão construir algo realmente novo. Talvez eu esteja redondamente enganada. Ou talvez excessivamente otimista.

Mas, não se enganem: estes jovens HORROROSOS que detestamos somos nós, numa nova versão.

Ou a gente credita alguma confiança a estes nossos filhos, estas nossas sementes, e tentamos minimamente cooperar com a construção do novo, ou estaremos, nós mesmos atuando em função de um fim trágico, que já idealizamos como sendo de responsabilidade deles, mas que no fundo, no fundo, está impregnado de nossas impressões digitais. Se não der para ajudar, não atrapalhemos. Muito ajuda quem pouco atrapalha, Já cometemos erros demais até aqui.

Neymar. Segura a onda. Você é uma referência e sabe disso.


Mas eu não canso de dizer: eu gosto e acredito nos jovens de hoje!!!



É bolada, velho-rabugento!!!

6 comentários:

  1. Pois, é. Deve ser por isso que, apesar de todos os momentos desesperadores que vivi numa sala de aula, eu preciso voltar. Eu quero. E eu nem sei muito como é isso. Acho que "esse isso" é levar um pouco mais de mim, do "meu" pra lá. Daquilo que, hoje, eu me sinto, um pouco mais, segura pra tratar sobre. Acho que é o desejo de compartilhar a descoberta de uma paixão. Acreditando nas virtudes educacionais dessa paixão... Como se, agora, eu acreditasse na minha utilidade na educação. E olha que eu não sou otimista. Acho que, no fundo, nada vai dar em nada porque as desgraças são muito maiores.
    A grande questão é que eu me enxergo naqueles que me tiraram do sério e me fizeram questionar a minha vocação pra profissão. Eles estavam certos.

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  2. Hummmmmmm ótima reflexão sobre o caso Neymar, este seu pensamento me fez lembrar o choque que tive quando me deparei frente a frente com alunos adolescentes do ensino fundamental, eu nunca lecionei e fiquei chocado com o comportamento deles, mas muitos professores estão mais interessados em classificar os alunos como rebeldes e mal educados e acabam se distanciando cada vez mais uns dos outros...A educação hoje se resume a uma relação que distancia: eu tento ensinar, você tenta aprender e a vida segue cada um com seu problema...No futuro próximo será raro um aluno se recordar com carinho de um mestre importante na sua educação e vice-versa...

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  3. Bom, primeiro gostaria de dizer que vc é muito inteligente e escreve muito bem.

    segundo que não tinha pensado na conclusão que vc teve no caso de Neymar mas, achei brilhante.

    terceiro que se todos lesem o seu blog o mundo certamente estaria melhor

    quarto: Eu te amo muito e muito

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  4. Drica, eu não concordo quando você fala que a atitude de Neymar seja comparada com o a situação de Bruno. Realmente Neymar mostrou o menino que ele é e que a fama subiu sim pra cabeça, mais tudo isso é questão de tempo ou de personalidade sei lá...
    Mais assim eu creio que a situação hoje do jovem é a falta de coragem para correr atraz para melhorar o seu futuro, mais isso é uma situação que estar mudando , pois eles tem sim o proprio Neymar como exemplo. Então eles decidam ser O MELHOR deles e correr atraz de seus objetivos não?!
    Eu creio que essa trasformação nesse novo mundo já estar acontecendo...

    Beijoo fessora.

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  5. Relendo o post e lendo os comentários ou comentando o tema com amigos, vendo a todo momento atitudes e posturas dos jovens, pensei em duas obras que - mesmo não tratando disso em sua origem - me parecem uma boa tradução para o que estou tentando comentar aqui: A tempo: obrigada pelas participações.

    Aqui estão os trechos das obras que retirados do contexto - em tempos de links e intertextualidades isso é super possível - falam aquilo que eu gostaria de falar:

    "Vem por aqui" --- dizem-me alguns com olhos doces,
    Estendendo-me os braços, e seguros
    De que seria bom se eu os ouvisse
    Quando me dizem: "vem por aqui"!
    Eu olho-os com olhos lassos,
    (Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
    E cruzo os braços,
    E nunca vou por ali. (...)

    Não, não vou por aí! Só vou por onde
    Me levam meus próprios passos...
    Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
    Por que me repetis: "vem por aqui"?
    Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
    Redemoinhar aos ventos,
    Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
    A ir por aí...
    (Cântigo Negro - José Régio)

    "Nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não enganam, não. Você diz que depois deles não apareceu mais ninguém.

    Você pode até dizer que eu tô por fora
    Ou então que eu tô inventando...

    Mas é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem.

    Hoje eu sei que quem me deu a idéia de uma nova consciência e juventude tá em casa guardado por Deus contando seus metais.

    Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos, nós ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais.

    (Como nossos pais - Belchior)

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  6. Foi bom te ler aqui. Não sei se concodo com tudo, mas me fez bem reconsiderar algumas coisas. Fico aqui pensando o que que deu ou parece estar dando tão errado. É difícil analisar a juventude pelo viés do futebol, porque ali é negócio, dinheiro, poder, assuntos de gente grande e viciada.
    Por mais que ele esteja finalmente reagindo como adolescente, está respaldado pelo poder de seu talento, que já vale milhões provavelmente. E ele não está sendo "protegido" pelo clube pelo direito de ser jovem, mas por quanto valem suas chuteiras.
    Mas a autocrítica que vc sugere é sim, fundamental.
    Nnao posso me dizer uma otimista, mas tenho esperança sim, até pra poder levantar de manhã! Boa sorte pra nós.
    ZD

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