Estes dois textos foram originalmente publicado na edição de MAIO/JULHO da Revista Beleza Bahia, onde assino a coluna BELEZAS INUSITADAS. O primeiro texto é o desta coluna e o segundo um artigo especial sobre 80 anos de Copa do Mundo.
A revista é de responsabilildade do casal Paulo Lima Andrade e line Dias Neto e inclui também programa de TV e portal na internet. Acesse o site e conheça outros artigos interessantes, como o artigo Uma Câmera nas Mãos, Muitas Idéias na Cabeça sobre a anistia de Glauber Rocha, da jornalista Ana Luisa Fideles, Se Essa Rua Fosse Minha da educadora e pesquisadora Nairiznha, ou ainda a matéria da capa, Salvador, Cidade de Beleza e Magia de Edvaldo Esquivel. Tem o texto da jovem Eslinie Fiaes, designer cheia de idéias e provocações, que é Eleições 2010 e as novas mídias. Você vai encontrar ainda uma coluna de humor de Renato Piaba , fotos impressionantes de Osmar Gama e ilustrações divertidas de Boré.
Vamos aos textos meus publicados ali.
BELEZAS INUSITADAS
Nesta coluna falaremos sobre belezas pouco evidentes ou que, apesar de serem vistas e contempladas cotidianamente, não são consideradas objetos de apreciação estética. São ações cotidianas, atitudes despretensiosas, coletivos que se criam, discretos fenômenos da natureza, ou mesmo antagonismos que nos comovem, nos convocam, nos seduzem.
ESTÉTICAS POSSÍVEIS NAS TORCIDAS DE FUTEBOL
E nossa beleza inusitada de hoje são as torcidas baianas de futebol. Organizada ou avulsa, a torcida de um time é o que ele tem de mais belo.
Podemos falar da beleza das torcidas a partir de diferentes pontos de vista. A beleza pura e simples de sua existência. Uma identidade possível à qual nos associamos. Um grupo de pessoas unidas pela paixão por um time que ao reunir diferentes características, configura a si (torcida) e configura a mim (torcedor), na medida em que decido me agregar a ele. O torcedor torce por um ideal mítico, coletivo, ancestral e sobretudo, belo. A busca pela vitória é apenas uma das experiências mais relevantes num jogo de futebol. A própria possibilidade do jogo, do embate, da busca coletiva por um objetivo comum também fazem parte do futebol.
Reunida na entrada e saída do estádio ou dissipada no cotidiano de nossa cidade, de Itapuã à Ribeira, da Paralela ao Centro Histórico, onde camisas e bonés reconfiguram nossa paisagem, o corpo físico de uma torcida é uma outra análise possível de sua força estética, a partir de seus aspectos plásticos. Dentro do estádio, a beleza da torcida assume seu ápice. Colorindo o templo sagrado, entoando canções, hinos e gritos de guerra, misturando camisas, faixas e bandeiras, soltando fogos, a torcida é, em inúmeros aspectos – estéticos sobretudo – a parte vital do espetáculo do futebol. Mais do que espectador, o torcedor faz parte da obra que, aparentemente, apenas assiste. Receptor e criador, ele vivencia integral e visceralmente aquela experiência estética.
Os hinos representam esta beleza transformada em sonoridade, em música. Dividindo importância apenas com o grito de “GOL” o hino de nosso time é uma composição cuidadosa que reúne letra e melodia a serviço de uma identidade a ser construída e repassada de geração a geração.
Agora – permitam-me os torcedores do Vitória – sem desmerecer sua torcida que tem crescido consideravelmente, não se pode falar em beleza de torcidas sem dedicar um parágrafo à torcida do Bahia. Nacionalmente reconhecida como patrimônio imaterial de nosso estado, ela impressiona até mesmo o torcedor rival, que reconhece sua imponência. A beleza da torcida do Bahia emana de sua força, sua história, sua resistência e sua inabalável fé no time. O sentimento de pertencimento faz desta torcida – e de todas as outras, obviamente – a parte verdadeiramente essencial do time. Os jogadores passam, a equipe técnica muda, os diretores revezam. O que dá unidade ao clube? Sua torcida.
É sabido que o torcedor do Bahia é aquele “doente” que usa a camisa na segunda-feira, mesmo depois de um possível 5 X 0 no final de semana, enfrentando todo tipo de gozação. Na derrota, no empate ou na vitória, sempre é dia de vestir a camisa do Bahia:
- Na segunda, porque teve jogo no fim de semana.
- Na terça, porque é véspera de quarta, e todos nós sabemos que quarta tem rodada do campeonato.
- Na quarta, porque não dá pra ir pra Pituaçu sem o uniforme! (Ou mesmo ouvir o jogo no radinho sem a vestimenta fundamental).
- Na quinta, porque teve jogo ontem.
- Na sexta, porque terá jogo no fim de semana
- ... e por aí vai.
E haja tanta camisa. Original ou de camelô, o torcedor, mais que ser outdoor de sua paixão, quer tê-la como segunda pele.
Agora, se por acaso, você leitor não concorda com nada do que eu disse até agora e está se perguntando porque leu esta coluna até aqui; se você odeia o barulho e a algazarra que as torcidas fazem em dia de jogo, ou mesmo se você sempre desejou que seu marido largasse as camisas de time e vestisse uma roupa decente, tente a partir de hoje ponderar a situação e buscar compreender que essa gritaria infernal e esta roupa aparentemente ridícula fazem parte de um ritual coletivo que em meio a tanta solidão e tristeza da vida moderna, é um apelo às práticas sociais (num sentido mais profundo do que o utilizado atualmente). Uma experiência integral, onde o torcedor deixa de ser um indivíduo isolado e torna-se, não apenas parte, mas o próprio corpo coletivo.
E tente, a partir de agora, lançar um olhar mais estetizado sobre as coisas prosaicas da vida. Se isso não nos salvar, pelo menos embelezará momentos que talvez fossem mais difíceis de serem vividos, não fosse a beleza – que no fundo, no fundo – pode estar mesmo é nos olhos de quem vê.
UMA COROA DE RESPEITO - 80 anos de Copa do Mundo
Ela já tem 80 anos. E muita história para contar. A Copa do Mundo de Futebol é o maior ritual coletivo da modernidade. Ela envolve milhões de pessoas em todo o mundo, através de uma celebração aparentemente sem sentido: quem nunca se perguntou qual a graça de ver 22 homens brigando por uma bola? Pois é justamente essa briga internacional por uma bola, pelo feito extraordinário de conquistar o espaço inimigo através da simbologia do gol, que tem o poder de reunir boa parte da população planetária em torno de um mesmo acontecimento.
Sucesso absoluto em termos administrativos, políticos, culturais e – obviamente – esportivos, sua realização envolve uma infinidade de instâncias não apenas no país sede, mas ao redor de todo o mundo.
Nascida no ano de 1930, a Copa do Mundo já havia sido idealizada desde o início do século, mais precisamente em 1904, quando foi criada a FIFA (Federação Internacional de Futebol Associado do francês Fédération Internationale de Football Association). O primeiro encontro entre seleções deveria ter acontecido em 1906, mas o clima político mundial estava tenso. Tensão esta que resultou na I Guerra Mundial, em 1914. Uma pena. Talvez o conflito simbólico tivesse evitado o conflito real.
Depois dessa tentativa frustrada, Jules Rimet, um grande entusiasta e idealizador do futebol moderno, reapresenta a proposta que é bem recebida pelas autoridades no assunto, sobretudo por conta do sucesso que o futebol havia feito nos Jogos Olímpicos de 1924. Como nas Olimpíadas não podiam jogar profissionais, a possibilidade de levar os melhores jogadores de cada nação foi um dos grandes atrativos para se criar um mundial só de futebol.
De lá pra cá foram 17 edições. Você pode estar achando que tem um problema de matemática aí, mas deixe-me esclarecer. Durante a década de 40 – novamente por causa de uma Guerra Mundial – as nações não se enfrentaram no campo, pois estavam perdendo seus homens no campo real da guerra sangrenta.
O Brasil é o único país a participar de todas as edições da Copa do Mundo. E também é seu maior vencedor, tendo levado – ou melhor, trazido – para casa cinco títulos. A maioria dos mundiais aconteceu na Europa, 09 deles. Em seguida a América Latina tem um número maior de copas: 06 mundiais, contra 01 dos Estados Unidos, 01 da Ásia e, agora em 2010, pela primeira vez uma Copa acontecerá em território Africano.
Falar de Copa do Mundo, não é falar apenas de futebol. É falar também de turismo, cultura, política, infra-estrutura. Todo o mundo turístico parece voltar-se para o evento. As empresas de marketing, certas do sucesso do evento, aconselham todos os seus clientes a vincularem suas marcas ao futebol. Não apenas propagandas, como também as mais diversificadas promoções são feitas tendo como foco o mundial. Da televisão ao celular, dos supermercado aos banco, todos querem tirar uma lasquinha do futebol. Os jogadores viram as grandes estrelas da publicidade e o jogo de faturar milhões também entra em cena.
Mas, falemos das belezas de uma Copa do Mundo. Beleza de nossa capacidade de nos organizarmos em torno de um objetivo comum. Beleza de nos unirmos – tricolores e rubro-negros – para comemorarmos, juntos, um mesmo gol. Beleza de conseguirmos derrubar a dureza do cotidiano para nos reunirmos em casa na hora do jogo do Brasil, quando o trabalho cessa e torcer pelo nosso país é a única coisa que importa. Beleza de nos associarmos a um ideal que aparentemente apolítico, nos define, nos unifica, nos identifica.
Torcer não é obrigatório, mas todos nós torcemos. Torcedor não tem documento oficial, mas todos nós somos. Essa capacidade de defendermos tanto uma causa para a qual não fomos obrigados, não somos fiscalizados, não somos nem remunerados, mantém viva uma possibilidade de vivermos essa porção da vida que é do intangível, do inexplicável, do imponderável. Essa coisa que talvez não tenha nome, mas que em alguma medida nos constitui. Se nestes tempos modernos – excessivamente modernos – estamos reduzidos a uma profissão, às nossas posses e nossos títulos, às nossas contas e nossas dívidas, a isso tudo que se pode nomear, discriminar e quantificar, atividades como a arte, a festa e o futebol talvez nos remetam ao que somos de fato, àquilo que não vou tentar comentar aqui, porque as palavras são por demais frágeis e eu, por demais humana.
E é a Copa do Mundo – vista não com os olhos pesados de apenas um grande mercado, uma grande indústria, mas com um olhar mais generoso sobre este ritual – o espaço onde essa magia acontece. Voltemos, então, nossos olhos ao continente africano, onde mais uma vez a humanidade se re-encontra. Que seja um momento mágico, de paz, de alegria, de combate justo, onde perdedores e vencedores se encontrem, convivam e construam, cada um a sua maneira, mais uma página na história dessa jovem senhora que nos assiste a 80 anos e nos ensina um pouquinho mais sobre nós mesmos. Que venha a Copa do Mundo de 2010.
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