quinta-feira, 8 de abril de 2010

WISNIK, PASOLINI, POESIA E FUTEBOL





O texto a seguir é organizado a partir de trechos do livro Veneno Remédio Wisnik (ver lista ao lado) onde, entre inúmeras e impressionantes considerações sobre o futebol, o escritor e artista multitalentoso fala sobre futebol e poesia a partir do olhar do também multitalentoso e irreverente poeta italiano Pier Paolo Pasolini.

"Pasolini dizia que o futebol é uma linguagem, e comparava jogadores italianos com escritores seus contemporâneos, vendo analogias entre os estilos e as atitudes inerentes aos seus ‘discursos’. Mais do que isso, falava escrevendo em 1971, de um futebol jogado em prosa, predominante na Europa, e de um futebol jogado como poesia, referindo-se ao futebol sul-americano e, em particular, o brasileiro. (...)

Apesar de seu caráter apenas indicativo, Pasolini não falava de poesia no sentido vago e costumeiro de uma ‘aura lírica’ qualquer a cercar o futebol.Também não estava projetando ‘conteúdos’ narrativos para dentro do campo. Em vez disso, influenciado, e não sem humor, pela voga semiológica da época, identificava processos comuns aos campos da literatura e do futebol: pode-se dizer que via na prosa a vocação linear e finalista do futebol (ênfase defensiva, passes triangulados, contra-ataque, cruzamento e finalização), e na poesia a irrupção de eventos não lineares e imprevisíveis (criação e espaços vazios, corta-luzes, autonomia dos dribles, motivação atacante congênita). Sugeria com isso, pela via estética, uma maneira de abordar o jogo por dentro, e nos dava, de quebra, uma chave original para tratar da singularidade do futebol brasileiro. (...)

O futebol era para ele (Pasolini) o terreno em que se dava o grande teatro e o rito da presença, expondo ao vivo, em corpo e espírito, um largo espectro da escala humana. Mesmo tendo percebido desde longa data o movimento da tomada desse terreno real pela irrealidade dos simulacros da mídia burguesa, pela vacuidade da sua espetacularização e pela sagração de suas vedetes como paradigmas do consumismo, e mesmo tendo se tornado um dos críticos mais contundentes desse fato, nem por isso se permitia atacar o futebol enquanto tal.

Na verdade, era nesse ponto de estrangulamento, de certa forma desesperado, inquieto e fecundo, que sua paixão viva não se deixava anular nem separar de sua consciência crítica, exigindo ver o futebol ao mesmo tempo de dentro e de fora, suportando a consciência daquilo que ele tem de alienante e manipulado em nome daquilo que tem de autêntico, memorável, apaixonante e inesperado – em outros termos, bem seus, naquilo que ele tem de popular e real."

E arremata mais adiante:

"Mais do que o campo deserto da vida vazia, o futebol é um campo de jogo em que se confronta o vazio da vida, isto é, a necessidade permanente de procurar-lhe sentido.

Procurar, aqui, na acepção ativa que inclui também encontrar, emprestar e inventar sentido – ali onde ele falta como dado, mas sobra como disposição a fazê-lo acontecer.

Como na dança e na música, o jogo é um perseguidor e um procurador do sentido que falta – um representante do que não está, sem que, com isso, se pretenda dá-lo como presente. Essa produção de presença, evidentemente não intencionada e não formulada nesses termos, se dá numa temporalidade própria, em ato, com meios elementares e concretos, e se repõe porque não se esgota na sua instantaneidade, na sua imediatez e na indeterminação aberta de seus conteúdos.”

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