Do filme em si?
Do primoroso trabalho de Márcio Cavalcante e sua equipe?
Da experiência única de ver este filme numa sala de cinema com a plateia mais surreal que qualquer pessoa pode imaginar?
Vou tentar.
Posso começar pela provocação de meu amigo, o querido Jean Wyllys, que desabafou no twitter que não entendia a comoção do futebol, por mais que tentasse não conseguia passar mais que cinco minutos na frente da tv vendo um jogo. Obviamente seu comentário no twitter e no face recebeu muitos comentários, dos dois lados. Os que fechavam com ele e não viam sentido nos 22 homens atrás de uma bola, blablabla... E outros, que como eu, entendem que não é só uma questão matemática e lógica, mas que resume em atos, fatos e acontecimentos toda a existência humana. Eu que ainda não tinha visto o filme mas que já imaginava como seria emocionante, por ter visto inúmeros trailers e teaseares e porque Alam não só já tinha visto o filme como também viveu a batalha por um ingresso no Iguatemi, invadido por uma onda tricolor, tal qual Pituaçu em dia de jogo. Sem conseguir, saiu correndo para o Glauber Rocha, onde a histeria era menor... Sim, mesmo sem ter visto o filme ainda, eu disse a Jean para vir a Salvador para vermos juntos o filme, para ele entender e sentir o que é isso. E como eu estava certa. Depois, amigo, para batizar de fato, só uma partidinha no caldeirão...
Fila no Iguatemi para ver a estreia do filme |
Pense numa sala de cinema em que a cada pessoa que entrava ouvia o bordão: "Bora Bahêa!" E respondia sorrindo, como filho que há muito tempo não vinha almoçar em casa: "Bora Bahêa." Isso depois de uma fila de uniformizados. Isso depois de uma semana em cartaz. Isso numa sala de cinema que não é das mais populares, reduto de intelectuais... Pois é...
De repente, um fi de deus bota o hino no celular. Toda a plateia canta junto. Todo o hino.
Uma plateia de amigos. Uma plateia de irmãos. Parecia uma grande família, almoçando junta.
Durante o filme, gritos de gol. gritos de guerra, cantação do hino, risos, lágrimas, tudo junto. Ao, fim aplausos e confraternização. Gente, uma experiência mesmo muito inusitada. Só quem viveu sabe.
Mas vamos ao filme.
UM ENCONTRO DE GERAÇÕES
Martio Bahia, grande ídolo |
Primeiro, fala-se sobre o futebol. Essa paixão, que como tal, não se explica, por mais que seja gostoso tentar. Tem fala de historiador, jornalista, jogador, torcedor, poeta... Todo mundo vive sua tentativa de explicação.
Aí, entra o time, o clube, a história. Numa primorosa pesquisa que foi organizada também primorosamente para não cair na chatice em que muitos documentários podem cair, vamos conhecendo a história de nosso amado clube. Sempre com uma polifonia típica do tema. O que eu mais acho gostoso na minha pesquisa é que quando eu toco no assunto eu, que sou teoricamente a pesquisadora, sou a que menos fala. Todo mundo se sente especialista em futebol e é. Ninguém tem vergonha ou pudor em dar sua opinião e todas as opiniões são ouvidas, comentadas, respeitadas. Assim também é o filme. Todo mundo tem o que dizer e tudo o que se diz, de onde se diz é importante, é fundamental!
Bel Bahia, patrimônio da nossa torcida |
Lorinho, que amarrava os adversários em seu vudu abaianado |
BA X VI: onde o clássico é pacífico |
Dos títulos, passamos para o hino, que muito bem lembrado por outro convidado, é um hino à torcida e não necessariamente ao clube. Um chamado, uma trombeta de cavalaria.
Deste ponto, se não estou enganada, o filme avança para falar da descida às séries B e C e do emocionante retorno. Marcelo Barreto, respeitado jornalista esportivo, lê seu belíssimo texto sobre a subida do Bahia - texto que eu já conhecia e já tinha divulgado aqui neste blog. Os depoimentos emocionantes continuam.
Agora, o que faz do filme um grande feito, não é cada coisa isolada em si. Não é um elemento que se destaca no filme. É o talento que Márcio tem para fazer das vozes populares o maior trunfo. Juca Kfouri é maravilhoso, Marcelo Barreto é demais, os outros comentaristas são muito bons, mas a voz do filme, ah, essa é do povo. Os personagens da torcida tricolor são as estrelas absolutas também do filme e é muito bom a gente reconhecer nas telas essas figuraças que a gente vê sempre que vai a Pituaçu. É lindo ver que eles fazem o filme, que eles são no fundo as grandes estrelas do Bahêa. E cá pra nós, eles falam com uma propriedade que estudioso nenhum jamais vai alcançar.
Bom, acho que não há muito mais o que falar do filme. Na verdade eu nem ando muito inspirada para escrever. Tenho me dedicado muito mais a ver, assistir e aprender.
Mas não poderia jamais deixar de registrar minha emoção e alegria com este filme.
Uma leve tristeza, porque vejo que minha pesquisa de doutorado, tão dura e tão racional jamais chegará perto de tanta beleza, leveza e magia. Mas, vou seguir tocando, né. É preciso terminar esse trem. E, pero que si pero que no, ficará mais um registro sobre essa linda torcida, em outra linguagem, em outra mídia, de outra forma. Minha contribuição.
Márcio Cavalcante - diretor |
Obrigada, Márcio Cavalcante e equipe, por um trabalho tão primoroso e apaixonado. Espero que o filme possa circular no país todo, pois é uma grande obra e deve ser apreciada por muitos.
Espero que meu amigo possa assistir ao filme, talvez não mais aqui ao meu lado em Salvador, mas em qualquer outro lugar desse Brasilzão que ele tem percorrido. Que ele se lembre de mim, que sinta - mesmo que não entenda - um pouco desse jeito estranho de ser brasileiro e que perceba de alguma forma que contra tudo o que se possa dizer do futebol, para o bem e para o mal - que ele á algo nosso, intimamente nosso. E simples, e belo, e vivo e apaixonante. E que ele sinta alguma alegria, mesmo que estranha, em ver tantos homens-meninos, juntos, cantando e pulando felizes, esquecendo tantas mazelas e fazendo o que dá pra ser feito aqui nesse mundo estranho que a gente entende tão pouco mas do qual não se pode sair facilmente. Nessa hora, eu acho Jean, nós re-encontramos o princípio criador, e isso não é uma figura de linguagem, não é uma hipérbole. Isso pra mim, é real.
É bolada, Tricolor-estrela!