Enfim, sento-me à cadeira deste meu querido computador, para novamente escrever uma postagem decente para meu querido blog futebol de artista. Nesse período de férias, li algumas coisas sobre futebol. A novela do chato do Ronaldinho Gaúcho, um livro da Bravo sobre o tema, (é mole?) algumas coisas na Placar e quase nada da bibliografia que tenho que ler para o doutorado.
Ontem recebi uma grande e antiga amiga para almoçarmos. Ela é professora e o papo, obviamente, além de coisas de mulher, foi centrado na educação. Uma porque somos professoras, como já disse, outra porque fazemos pós, e sobretudo porque estudamos juntas nos idos de 1990 no Colégio Técnico da Fundação José Carvalho, sobre o qual eu tenho um post pronto, mas que vou divulgar mais tarde.
Entre tantas considerações, chegamos a um ponto que sempre é polêmico, porque estudo isso e quando falo sobre, acabo usando aquele tom meio parcial de quem defende seu objeto sem a menor noção de limite. Pois é assim, sem esse bom senso que vou escrever agora parte do que penso sobre futebol e estudo.
Tem um email que muita gente reencaminhou para mim, logo no fim da copa que foi uma fala de Cristóvam Buarque sobre a posição do Brasil no ranking do futebol e como os brasileiros ficaram chateados e sobre o descaso com a colocação do Brasil em termos de educação, que era aterrorizantemente pior do que no futebol. Ora, eu acho essa comparação coisa de quem tem muito o que fazer, mas não faz. Acho que estamos comparando coisas extremamente diferentes e acho usar do sucesso do futebol para discutir o fracasso da educação, pelo menos sobre estes termos uma perda total de tempo. Discuto a relação entre futebol e escola se o ponto de partida não for tão preenchido de mágoa, preconceito e julgamentos repletos de uma caretice sem precedentes e de falta de boa vontade para a discussão.
Geralmente se diz que jogador de futebol não estuda. ora, como se explica, então, que um ser humano consiga correr, condizindo uma bola, ao mesmo tempo em que mira num alvo, que geralmente é um alvo em movimento - seu parceiro - quando além de comandar o tempo e força da corrida deve guiar a bola e arremessá-la a uma distância onde ele pressupõe que estará o tal do alvo móvel. Algum dos distintos leitores já se deu o trabalho de tentar jogar futebol?
É muita habilidade junta a ser desenvolvidae isso se consegue com o que? Anteção!!! Com estudo. Muito estudo. Claro que o termo que se usa na prática é treino, mas para mim, o que está em questão é o estudo prático de como realizar estas jogadas.
E o que mais me intriga nesse conhecimento prático de quem joga futebol é que é um conhecimento corporal. É um aprendizado do corpo. Nenhum jogador calcula em teoria com qual velocidade ele deve lançar a bola, ou ainda em que ângulo, ou mesmo qual a força a ser emitida por sua perna num chute ou numa defesa. O conhecimento, repito, é prático e corporal.
Quando falamos que os jogadores de futebol não estudam, estamos esquecendo de completar a frase, Talvez de fato a maioria deles não estuda aquilo que nós estababelecemos como indispensável a ser estudado por todos. Nós reduzimos o mundo a um só modelo de tudo, e com a educação não foi diferente. Assim, estudar significa estudar na escola, aqueles assuntos que foram definidos como os mais importantes.
A essa altura da conversa minha amiga perguntou se de fato os jogadores de futebol não estudam o estudo que nós consideramos padrão. Eu disse a ela que não dá para ser jogador profissional de futebol e fazer uma faculdade. Para mim, simplesmente, não dá. O jogador de futebol se dedica a seu ofício como os soldados espartanos se dedicavam à guerra. Da infância à fase adulta.
A vida deles é voltada para seu rendimento em campo. Sua alimentação, seus hábitos, sua família, tudo fica condicionado a isso. É claro que eu entendo que a força do mercado usa estes profissionais como bucha de canhã e lucram muito mais do que os incalculáveis salários que os jogadores ganham. Mas acho que apenas isso não infertiliza a discussão.
Acho que é preciso olhar para a prática do futebol - e o mal que o mercado lhe tem feito, como tem feito a tudo que toca - com um pouco mais de generosidade e mais que isso, boa vontade de compreender coisas que ele está aí para nos ensinar.
O futebol é interdisciplinar por natureza:
Integral, posto que o aprendizado se dá majoritariamente no corpo
Funcional do ponto de vista social, posto que todo o aprendizado estabelece-se numa perspectiva de unir aquilo que faço sozinho e aquilo que faço no coletivo e o que para mim é enfim o mais importante:
É um aprendizado significativo porque envolve, entre todas as demais coisas, o prazer, a alegria e o jogo.
E se acham que exagero ou que estou louca, repito, não estou sozinha. Ouça o que nos diz José Miguel Wisnik sobre a seleção do brasil de 1970:
"Futebol é uma linguagem sem palavras que está dizendo coisas que não são conscientes. Quando aqueles jogadores pegam a bola o tempo todo em campo, é uma longa história do povo brasileiro que está desembocando ali. Um país escravista e mestiço em que a escravidão foi abolida, mas os descendentes de escravos foram abandonas à sua própria sorte. Até hoje as injustiças, a desigualdade brasileira, a ausência de descendentes de escravos nas instituições, nas escolas... Essa desigualdade que é social, que é racial ela é uma história do país que se deu e que é uma história de injustiça.
No entanto é no campo de futebol que esses descendentes de escravos reverteram simbolicamente esta situação. Na música popular e no futebol que são as maiores conquistas do país e que se fizeram através de duas escolas informais. Não foi nenhuma escola que ensinou pra ninguém a música popular nem ensinou o futebol. O povo brasileiro criou isso e deu a isso uma dimensão mundial. Por isso que eu não admito que uma pessoa que se crê crítica vem chegar e dizer que aquilo é uma porcaria, e que é a ditadura. Não é a ditadura. Aquilo é a maior criação da história do povo brasileiro, revertendo a sua história de injustiça e criando simbolicamente – é verdade que aí nós vamos dizer ‘claro, é simbolicamente o país continua injusto, continua desigual’ – isso não quer dizer que seja uma democracia racial nem nada, portanto, cabe lutar para que seja, para que se tenha uma educação tão criativa nas escolas quanto o futebol e a música popular foram sem ter escola nenhuma. É a escola que tem que tomar aquilo como exemplo, aprender que aquilo ali é um exemplo de país." (Entrevista concedida ao Café Cultural em 2009.)
É bolada, Educador!!!!
Eu adoro essa entrevista de Wisnik desde a vez que eu vi na sua defesa.
ResponderExcluirEle é muito inteligente por isso atrai adimiradores tão inteligentes quanto ele.
Admiro muito vc!
Bjs
Ah...
Vc escreve muito bem
te amo
Hannah
E vc é uma linda. E eu te amo demais. E é uma honra recebê-la tão inteligente em meu blog, comentando. Vc é demais.
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