Não era apenas uma questão de etnia - ou cor, ou raça, como se tratava à epoca - era também uma questão de classes. Pobres e ricos. Mas, um time quebrou algumas regras e colocou - pela qualidade de seus jogadores - o negro dentro dos campos. Acompanhem trechos do livro de Mário Filho, O Negro no Futebol Brasileiro, uma pérola da nossa bibliografia nacional, editada pela primeira vez em 1947. Com a palavra: Mário Filho:
"Na hora de assinar a súmula, via-se logo a diferença. Os acadêmicos de medicina do Flamengo, escrevendo o nome depressa, os operários do Carioca levando toda a vida para garajutar o nome. Alguns suando frio, tremendo, achando que nunca seriam capazes de assinar o nome na frente de todo mundo. E tinham assinado o nome mais de mil vezes, de sexta a domingo, cobrindo as letras. Cada clube pequeno arranjava um professor. Só para isso, para ensinar jogador de futebol a assinar o nome.
Se ele errasse na súmula estava tudo perdido. o clube perdia os pontos, a Liga era capaz de chamá-lo para um examezinho. De be-a-bá. Dando uma cartilha para ele ler. Havia jogador que não aprendia a assinar o nome de jeito nenhum. Parecia que tinha aprendido, na hora esquecia, o clube precisava arranjar outro para entrar em campo.
Pascoal Cinelli, por exemplo, passou a ser Pascoal Silva. Um nome mais simples para aprender a assinar. Para ver a importância de saber assinar o nome. Importância que se exagerou pelo culto ao estudante. Havia, naturalmente, uma razão para esse culto. O Flamengo levantou dois campeonatos seguidos, o de 1914 e o de 1915, com um time quase de acadêmicos de medicina. Outros grandes clubes, o Fluminense, o América, o Botafogo, tinham estudantes, mas não assim nessa proporção esmagadora. Nove acadêmicos de medicina e um de direito no time. Quanto mais estudantes, melhor. O que parecia provar que só estudante é que tinha que jogar."
E nesse modelo, o torneio carioca vai seguindo. Os grandes times unidos, criando cada vez mais dificuldade para os jogadores negros, pobres e analfabetos jogarem, criando as estratégias mais absurdas. Os grandes times, ainda com poucos destes jogadores. Os times da segunda divisão, com maior liberdade e mais negros em seu escrete, continuavam assim: pequenos e de segunda divisão. Acontece que um time de negros e pobres fugiu à regra:
"Um clube da segunda divisão, porém, subiu para a primeira divisão. Chamava-se Clube de Regatas Vasco da Gama, e trouxe com ele, mulatos e pretos. (...) Ninguém ligou importância à ida do Vasco para a primeira divisão. Que é que podia fazer um clube de segunda divisão contra um América,c ampeão do Centenário, contra um Flamengo, bicampeão, contra um Fluminense, tricampeão?
O Vasco que botasse quantos mulatos, quantos pretos quisesse no time. Tudo continuaria como dantes, os brancos levantando os campeonatos, os mulatos e os pretos nos seus lugares, nos clubes pequenos.
Mas, quanto mais o Vasco vencia, mais os campos enchiam. Até o estádio do Fluminense ficou pequeno. Gente que nunca tinha assistido a uma partida de futebol deu para comprar a sua arquibancada. Tudo português, o português se julgando obrigado a ir para onde o Vasco ia.
Tornou-se quase uma questão nacional derrotar o Vasco. Os pobres das peladas e dos clubes pequenos brancos, mulatos e pretos dando nos times dos grandes clubes, só de brancos, de gente fina, de sociedade. Muitos sem saber ler nem escrever, mal assinando o nome, sem emprego, sem nada. O time da mistura estava na frente do campeonato, sem uma derrota. tinha de perder, pelo menos uma vez, de qulalquer maneira. O Flamengo não se preparara durante a semana para outra coisa. Treinando o dia todo, dormindo cedo, pondo a garagem em pé de guerra. Quando o jogo começou o Flamengo tomou conta do campo, da arquibancada, da geral, de tudo. Flamengo um a zero, pás de remo embrulhadas em Jornal do Brasil batendo nas cabeças dos vascaínos. Flamengo dois a zero, e novamente as pás de remo subindo e descendo. Quem era do Vasco não tinha direito de abrir a boca.
O Flamengo deixara de ser um clube, um time, era todos os clubes, todos os times, o futebol brasileiro, branquinho de boa famíllia. Tudo estava nos eixos novamente. O pessoal do Vasco quieto, esperando a virada. O primeiro milho era dos pintos. O Flamengo esperasse para ver uma coisa. Às vezes, o Vasco estava apanhando de três a zero, virava,ia ganhar o jogo de quatro,cinco.
Foi começando o segundo tempo, gol do Vasco. E os vascaínos sem poder gritar gol. Um gritozinho, uma pá de remo na cabeça. Só se gritava Flamengo, o Flamengo acabou fazendo mais um gol. Não havia rádio e, apesar de não haver rádio, toda a cidade soube, quase no mesmo instante que o Vasco tinha perdido. Foi um segundo carnaval.
E durante muitos dias casa comerciais de portugueses penduraram um carttaz atrás do balcão que dizia assim:
'É PROIBIDO FALAR EM FUTEBOL'!
Veio outra semana, o Vasco continuou a vencer, não perdeu mais até o fim do campeonato. A vitória do Flamengo tinha dado a ilusão de que tudo ia voltar a ser o que era dantes: os times brancos levando campeonatos, os times de preto perdendo sempre. A ilusão durou pouco, os clubes finos, de sociedade, estavam diante de umf ato consumado. Não se ganhava campeonato só com times de brancos. Um time de brancos, mulatos e pretos era o campeão da cidade. Era uma verdadeira revolução que se operava no futebol brasileiro. Restava saber qual seria a reação do grandes clubes.
A reação foi tremenda. Em 1924 nascia a AMEA, uma liga de grandes clubes, sem o Vasco."
Essa liga criou regras inacreditáveis para fazer com que os jogadores pobres e negros do Vasco não pudesesm atuar. Era obrigado a trabalhar, as fábricas eram vigiadas para ver se os jogadores estavam trabalhando. Era a fase do futebol amador. era obrigatório estudar. Criou-se a terrível prova do Ba-a-bá. Essa mesma, Deputado Tirirca. Assunte;
"Acabara-se o tempo de o jogador só precisar saber assinar o nome na súmula. Se não soubesse escrever e ler corretamente e na presença de alguém assim como o presidente da liga estava cortado.
Um pouco antes do jogo, o juiz chamava os jogadores, um por um, o jogador assinava a súmula e pronto. Mas a Liga foi exigindo mais. A papeleta de inscrições tornou-se quase um exame de primeiras letras. Um aporção de perguntas. Nome por extenso, filiação, nacionalidade, naturalidade, dia em que nasceu, onde trabalha, onde estuda, etc, etc.
Muito jogador que sabia assinar o nome se pertubava. Bastou Leitão ir para o Vasco e teve que assinar a pepeleta de inscrição na frente de Célio Barros, então presidente da Liga Metropolitana. Célio de Barros não tirava os olhos de cima de Leitão. Leitão suando frio, parecia que não ia acabar nunca de encher a papeleta."
Mário Filho - O negro no Futebol Brasileiro.
Pouco a dizer depois de um exemplo tão eficaz do que temos feito ao longo desses quase cem anos, com os pobres, negros e analfabetos do nosso país.
Se não conseguiram impugnar a candidatura de Tiririca, não venham agora cassar sua eleição. Como ir contra a expressão de 1.300.000 pessoas que seja lá porque motivo foi, elegeram Tiririca com essa marca histórica. Parafraseando Daniel Marques: "roubar de gravata, paletó e diploma pode? Analfabeto, não?"
Não sei se ele vai roubar, não sei o que ele mesmo vai fazer lá (nem ele sabe...) mas que sua presença é genial em termos de provocações para nossa política e ainda em termo de performatividade, de expressividade, eu não tenho a menor dúvida.
A candidatura de Tiririca já foi um das maiores PERFORMANCES desse começo de década. Seu mandato não deve ser diferente. Ele faz o que o palhaço faz de melhor: ele assume e escancara o ridículo da situação. Vamos ver o que vai ser esta presença no Congresso. Quem sabe não é essa nossa salvação?
Leia também: http://correiodobrasil.com.br/somos-todos-palhacos-tiririca/184551/
Assine o abaixo assinado: http://www.abaixoassinado.org/assinaturas/abaixoassinado/7167/1
É bolada, eleitor!
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E mais uma vez, sou sua fã, dona Adriana, pelo descortinar de temas tão aparentemente absolutos. Acho mesmo que Tiririca ainda vai dar o que falar... E não necessariamente no mal sentido. De todo modo, confesso que torço por ele. Aliás, a tentativa de ridicularizá-lo é inútil. Ele já é a expressão do rídículo, como palhaço, por definição e estética, ou por definição estética! Não será por isso que ele assusta tanto?
ResponderExcluirKarina
Fãs recícprocas, D. Karina que não deveria se chamar Faria, mas Fará... isso do ri´dículo é de fato a melhor parte, porque quanto mais o ridicularizam, mais ele ganha, porque este é o princípio. Para mim, ele é o fator reagente, revelador, porque só ele em sua autoridade de palhaço pode representar a verdade que tanto tem feito falta neste país.
ResponderExcluirParabéns, Adriana. Bola dentro. Foi muito triste, na época, constatar que muitas pessoas do meu círculo são muito preconceituosas no que se refere à escolaridade dos outros, ainda que muitas delas sejam de esquerda, modernas e sem outros preconceitos aparentes. muito boa a analogia e a aulinha de história que eu acabo de levar. Muito bom o texto de Mário Filho também.
ResponderExcluirMenino, pois eu ainda debate exaustivamente esse assunto. Muitos amigos meus ainda usam a eleição de Tiririca como exemplo de ignorância do eleitor brasileiro. E eu lá, só na alfabetização política, necessária. É incrível, Alex, mas os que se dizem intelectuais são os que mais dão trabalho. Abraços, amigo, adorei a visita.
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